QUEM FUNDOU O NOSSO DESCALVADO?

(Dr. Antenor Erveu Betarello, descalvadense e Vereador da Câmara Municipal de São Paulo, em discurso proferido na Câmara Municipal de Descalvado, como Orador Oficial na sessão solene, realizada na noite de 8 de setembro de 1953).

“Descalvado perde sua origem na lenda e na tradição. Escassos são os documentos existentes nesse sentido. Tendo pertencido em 1844, à Comarca de Franca; em 1845, à de Campinas; em 1852 à de Mogi-Mirim; em 1859, à de São João do Rio Claro; em 1866, à de Araraquara; voltando novamente, em 1868 a pertencer à São João do Rio Claro, quase nada se encontra nos arquivos dessas cidades. Acrescente-se ainda, que, pertencendo o nosso Descalvado a uma determinada Comarca, estava politicamente jungida ao Termo que lhe era designado e, assim, ao mesmo tempo tinha que responder à Comarca e ao Termo, numa confusão das maiores. Assim é que pertencemos, em remotas épocas, aos Termos de Casa Branca, Constituição (hoje Piracicaba), Limeira, São João do Rio Claro e de São Bento de Araraquara. Em pesquisas que procedi, na maioria dessas cidades, nada encontrei. Busquei o Arquivo do Estado, onde existem documentos de grande valor. A respeito de nossa cidade, recolhi farto material, mas esses documentos não passam de 1842. A fim de poder proceder à história de nossa terra tive de empreender o estudo da história de outras cidades, que nos foram afins, em determinadas épocas; e daí, deduzir algo. Nesse sentido pude colher dados significativos para Descalvado. Todavia, para isso, é necessário paciência beneditina. Aqui em Descalvado, deveria haver documentos importantes, nesse sentido, mas não tenho encontrado farta colaboração nesse sentido. Devo externar, nesse momento minhas simpatias por dois descalvadenses: um é o Dr. Dácio de Arruda Campos, íntegro Juiz de Direito de Jaboticabal; outro é o nosso operoso Prefeito Sr. Deolindo Zaffalon. Voltemos ao assunto. Quem fundou o Descalvado? É difícil afirmar o nome do fundador. Temos a impressão de que o Descalvado não foi fundado por um só indivíduo. O território de Descalvado pertencia a Araraquara, tendo pertencido a uma sesmaria imensa, doada a Amador Bueno da Veiga, bandeirante de grande fama e intrépido, que vingou os paulistas trucidados no Rio das Mortes. Pode-se quase afirmar que do centro do Estado para o norte, toda essa região foi uma imensa sesmaria pertencente ao bandeirante. As constantes excursões de paulistas e bandeirantes às terras de Minas Gerais, criaram a lenda das terras férteis de São Paulo, região imensa onde se plantando, tudo dá. Nessa altura da história, a Capitania de São Paulo não possuía muitas Vilas e Termos, sendo poucas, também, as Comarcas. O território é um imenso sertão, convidando os aventureiros que tinham jeito corajoso e braço forte. Contam-se histórias mirabolantes. A vegetação é de pasmar! Aguados e rios existem para escolher. Os bandeirantes que se dirigiam para Minas Gerais, à cata de ouro e de pedras preciosas e lá se estabeleceram, cedo perceberam que, passada a fase áurea, das pepitas de ouro catadas à superfície do solo e das pedras preciosas, agora escassas, melhor seria o retorno para a terra paulista, pois o solo é mais dadivoso, as pastagens mais ubérrimas e a vida mais suave. O mesmo acontece também, com os paulistas que se dirigiram para  o sul, expulsando o espanhol para as margens do Rio da Prata. Em cada povoado, deixaram a fama de sua cidade natal, cantando em prosa e verso, a magnitude de Sorocaba, Itu, Porto Feliz, Taubaté, Campinas e outras cidades bandeirantes. Nos fins do século XVIII e princípios do século XIX, a lenda do eldorado tinha um só sinônimo: São Paulo! Data desse tempo, se me permitem o termo, sem malícia alguma, a invasão de São Paulo por moradores de Minas Gerais, na sua maioria, e por moradores de outros recantos da pátria. Lembremo-nos que o Paraná nos pertencia nessa época, bem como outras regiões brasileiras. Parece excesso de bairrismo nosso, de dissermos que nesse momento, são muito decantadas as terras do sertão de Araraquara, principalmente aquelas próximas ao lugar denominado Descalvado, terras propícias para a agricultura. Apenas, e aí vem uma advertência aos fracos, a região é pestilenta, dando úlceras tremendas e febres malignas. Conversando há pouco tempo, com o insigne historiador Escragnole Taunay, que possuiu por parte de sua esposa, parentes antepassados no Descalvado, confirmou-me ele esse fato, declarando saber por tradição de seus maiores, que a maleita e a úlcera eram endêmicas. E ainda, havia mais: a terra era nova, novíssima e apenas crescessem os primeiros rebanhos e florissem as primeiras safras, o elemento aventureiro seria atraído para a região e esse não era de molde a fugir apenas com a careta do morador visado. Era pois necessário, coragem para a empreitada. Ressalta deste rápido relato que o eldorado não era paraíso para os tímidos e que só os fortes teriam probabilidades de êxito. Repugna para nós, a idéia do fatalismo, não nos perfilamos entre os adeptos do sistema determinista, como é expresso pelos seguidores de Maomé, de que “estava escrito”. Há entretanto, um determinismo que é verdadeiro e indiscutível: o determinismo biológico. “Estudos modernos (diz Renato Kehl), sobre hereditariedade, constituição e temperamento, demonstram à evidência, que todos nós estamos presos a uma fatalidade histórica, digo, orgânica e psíquica à qual não podemos fugir e que os nossos atos dependem essencialmente de nossa constituição, de nosso temperamento e não da simples influência do meio e das circunstâncias mais ou menos imprevistas”. É no próprio homem e no seu eu profundo, diz Bergson, que se deve procurar o primum movens dos seus atos”. “Dependemos muitíssimo das tendências que ao nascer trazemos, porque são tecidas desde o seio materno e na trama de nossa alma em formação. Ao mesmo tempo que reconhecemos o determinismo biológico, não podemos deixar de reconhecer que cada sociedade elabora seu sistema natural de normas de pensar, de sentir, de agir, que se cristalizam em sistemas de moral, em sistemas políticos, religiosos, jurídicos. Constituem ideologias sociais, isto é, corpo de regras, reflexos da mentalidade coletiva, super estruturas”. (Djacir Menezes). A psicologia social estuda todos esses fenômenos. Ora, cada sociedade e cada época manifestam certas tendências dominantes nos pensamentos, sentimentos, estados afetivos e representativos em geral que bastam para caracterizar a época e a sociedade. Quais seriam os traços da formação sócio-psicológica, na data da fundação do Descalvado? Alberto Torres e Oliveira Viana, evidenciam alguns traços característicos de nossa formação mental, como povo. E as características psicológicas, individuais dessa época são: “Entre nós, o homem do povo, o plebeu, o peão, o campônio, não possui confiança interior e profunda, que é a fibra do caráter do cidadão suíço, inglês ou alemão, que é a fibra do caráter de qualquer homem. O homem que não tem terras, nem escravos, nem capangas, nem prestígio, sente-se, aqui, praticamente fora da lei. Nada o ampara. Nenhuma instituição, nem nas leis, nem na sociedade, nem na família, existe para a sua defesa. Nessa fase de rumo ao sertão, sempre se vê diante dos poderosos, das suas cobiças, das suas arrogâncias, das suas animosidades, tímido, receoso, encolhidiço. Era esse o meio social na época da fundação do Descalvado. Se ele agia deleteriamente na formação psicológica do momento, evoluía também, dentro de certas condições físicas gerais, criando forças morais nessa população aventureira, dando-lhe uma resistência sem par e um espírito inquebrantável. Exposto, em largas pinceladas, o drama da terra, bem é de ver-se que a empreitada só podia competir aos fortes. Não nos esqueçamos ainda, de outro ponto importante em tudo isto: a base geográfica, a fisionomia da terra, onde estão os recursos naturais de subsistência, modela a fisionomia da sociedade, dá o sentido de sua evolução política, jurídica e social, nos processos múltiplos de adaptação que se processam em complexidade infinita.

A LENDA PRECEDE SEMPRE A HISTÓRIA

Tem sido, desde criança, decantada aos nossos ouvidos a seguinte lenda a respeito da fundação do Descalvado: “Tomé Ferreira e José Ferreira da Silva, naturais da Província de Minas Gerais, foram os primeiros desbravadores que em 1810, se estabeleceram no território e, como posseiros, tornaram-se proprietários. Depois destes, dirigiram-se para a região fértil e de boas terras, Agostinho José de Amorim e Nicolau Lobo. Depois destes foi José Rodrigues dos Reis, conhecido por “Rodriguinho”, falecido com idade superior a 100 anos, o qual se estabeleceu para os lados da Serra do Cuscuzeiro, já em terras de São Carlos do Pinhal”. Tenho a certeza de que os prezados amigos, aqui presentes, também assim, a ouviram. Nada mais inverídico existe. O Livro do Tombo, mais prudente, em referência escrita em 1883, quando da visita do Bispo Dom Lino Deodato, assim se refere: “Das informações que pudemos obter de um trabalho que temos à Vista, consta que este lugar, Belém do Descalvado, começou a ser habitado em 1809, sendo seus primeiros moradores Agostinho José Alves de Amorim, Nicolau Antonio Lobo e José Ferreira da Silva, sendo o primeiro natural da Província de Santa Catarina; e os últimos de Minas Gerais”. Nenhuma referência se faz, no Livro do Tombo, a Tomé Ferreira. Injustiça? Não! A verdade é que, até hoje, através de uma lenda que se perpetua, elevamos boas a Tomé Ferreira, esquecendo os dois pioneiros e que são: Nicolau Antonio Lobo e Agostinho José Alvares de Amorim. E por que? Se remontarmos ao tempo da fundação de nossa terra, verificaremos aquela verdade de Alberto Torres: “Nos tempos antigos, a religião abraçava, como a filosofia abraça, hoje, todas as concepções intelectuais do homem”. “Um dos efeitos mais notáveis da religião sobre os destinos do homem foi a escravização de seus juízos às leis do passado”. Em outras palavras, isto quer dizer: a política, a velha política, se incumbiu, através dos anos, de ir apagando da lembrança dos pósteros, as figuras imponentes de Agostinho José Alves de Amorim e Nicolau Antonio Lobo. É que Agostinho José Alves de Amorim fora um grande, fora, em dado momento da vida de nossa terra, o chefe inconteste da Freguesia, o seu defensor, o peito valente que se opôs contra a destruição do novel povoado e tudo isso foi de molde a criar, em seus coevos, o despeito; o despeito dos políticos que não ousavam enfrentar o chefe. A par disso, aconteceu que José Ferreira da Silva, em cumprimento de um voto religioso, fizera construir, em suas terras, uma capelinha de barro e pau-a-pique, sob a invocação de Nossa Senhora do Belém e doara, como patrimônio, meia légua de terra em quadra. Na imaginação de nosso povo primitivo, sempre levado à idéia do sobrenatural pelo terror do desconhecido e pelo assombro do imprevisto, a religião, se era fator político apagado; era no entanto, o fator mais absorvente de todos os móveis da consciência, desenvolvendo-se com energia e formando um tecido cerrado de solidariedade, Com o tempo, e o tempo tudo consome, o curso ordinário da vida política do Descalvado, sob a ação desse sentimento religioso que exerce grande influência, havia decretado o esquecimento do nome desse grande vulto que foi Agostinho José Alves do Amorim e a tal ponto que um dos grandes da terra, cujo nome declino com o máximo do respeito e de orgulho, o respeitável vereador Gabriel Amâncio Lisboa, assim se referiu àquele grande, quando em 1866, denominou das ruas da cidade: “Que se dê o nome de Rua Alegre ao lugar onde findam as taipas do finado Amorim”. Naquele momento conturbado de paixões políticas, em que o meio social descalvadense atravessava uma crise aguda, os nossos primeiros representantes, no cenário político, esqueceram-se que o bom descalvadense deve construir e não destruir e esqueceram-se, embora imbuídos do fervor religioso, da fase do Mestre dos Mestres: “E o que se negar diante dos homens, também, eu o negarei diante de meu Pai, que está nos céus”. (São Mateus. Capítulo X,  Versículo XXXIII).

 

COMO VIERAM OS PRIMEIROS MORADORES?

 

            Nicolau Antonio Lobo e Manoel Antonio Lobo, em princípios do século XIX, liquidaram seus haveres em Minas Gerais e demandaram o sertão paulista. De recanto em recanto, assentaram sua tenda no sertão de Araraquara, no lugar do Descalvado. Aqui, tomaram posse da imensa região, que abrangia as terras das fazendas Grama, Novas e Areias e onde, hoje está a cidade. Com os recursos que trouxeram, recursos em dinheiro, puderam sustentar a posse e empregar braço escravo para a terra em seu poder. Nessa mesma ocasião, sem os mesmos recursos, mas resoluto, aportou à nossa terra, Agostinho José Alves de Amorim. Vinha sondar a terra para poder escolher o local onde pudesse fixar-se; também, não trazia endereço certo. Se o local não fosse convidativo, estava resolvido a procurar outras paragens. Nesse momento, da cidade de Descalvado, nada existia. Ela era uma colina coberta de vegetação, sulcada, aqui e ali, por uma picada feita a facão. Para os lados do Belenzinho, era um cerrado coberto de guabirobas, marolos e barba-de-bode. Rumou Agostinho de Amorim para a morada de Nicolau Antonio Lobo. Do que conversaram, nada consta. Como se fixou na terra descalvadense, parece providencial. Em uma das noites passadas na casa de Nicolau Antonio Lobo, uma tentativa de elementos perversos, prontos a atearem fogo na cobertura de sapé da maloca primitiva, teve como conseqüência, uma reação de Agostinho José Alves de Amorim e de seu fiel auxiliar que aprisionou um dos facínoras, dele arrancando a notícia de negros estabelecidos pela região, foragidos de várias procedências. O Descalvado devia ser mesmo um lugar privilegiado nesse sentido. A idéia de negros foragidos e em quilombo às margens de certo rio, que desembocava no Mogi-Guaçu, uniu a simpatia que já havia nascido entre Nicolau Antonio Lobo e Agostinho José Alves do Amorim. Nada mais se sabe a esse respeito. Todavia, dado o desaparecimento do Quilombo às margens do rio, que hoje se denomina Quilombo; e a rápida prosperidade de Agostinho José Alves do Amorim é de supor-se que, da investida contra os negros foragidos, não estiveram ausentes os dois primeiros fundadores de nossa terra. A verdade é que em 1.822, a Fazenda Caridade pertencia a Agostinho José Alves do Amorim, por posse. Em 1.820 aportaram, à nossa terra, vários moradores, dentre eles, José Ferreira da Silva, Tomé Manoel Ferreira, Joaquim de Oliveira Preto, Manoel Joaquim Bernardes, Alexandre José de Castilho. Todos esses quando chegaram em terras do Descalvado, encontraram aqui já arraigados, Agostinho José Alves de Amorim e Nicolau Antonio Lobo. E, de tal forma, essa verdade se entrosa com os fatos, ao contrário do que diz a lenda que até então, corria entre nós, de que José Ferreira da Silva e Tomé Manoel Ferreira, sendo os primeiros desbravadores que se estabeleceram no território como  pioneiros, tornaram-se proprietários, “a verdade é que Tomé Manoel Ferreira e José Ferreira da Silva não se tornaram proprietários, como posseiros, mas sim adquirindo terras de Nicolau Manoel Lobo. Peço a especial atenção de meus conterrâneos para este fato: se José Ferreira da Silva e Tomé Manoel Ferreira se tornaram proprietários, adquirindo terras de Nicolau Antonio Lobo, é porque este chegou no Descalvado primeiro. Mas o interessante é que nem de Nicolau Antonio Lobo foi adquirida a terra que serviria de berço de nossa cidade. Ela foi adquirida de Alexandre José de Castilho, que por seu turno adquiriu de Nicolau Antonio Lobo. Vejamos, senão o lançamento das terras, lançamento esse feito em 1.856, conforme determinação do Presidente da Província, expedida pela Circular de 20 de setembro de 1854: Livro Paroquial.

LANÇAMENTO DAS TERRAS DE ALEXANDRE JOSÉ DE CASTILHO: “O abaixo assinado possui no Distrito desta Freguesia do Belém do Descalvado, Município de Rio Claro, um sitio denominado “A Grama”, regulando a extensão de uma légua em quadra. Essas terras foram possuídas por título de posse e possuo por compra que fiz a Nicolau Antonio Lobo e sua mulher.

LANÇAMENTO DAS TERRAS DE JOSÉ FERREIRA DA SILVA: “Possuo no Distrito desta Freguesia de Belém do Descalvado, Município de Rio Claro, uma sorte de terras na estrada que segue para a “Fazenda” do Rev.mo. Padre Jeremias José Nogueira, terras que dividem com a “Fazenda Nova” e do “Patrimônio” e acham-se pró divisa por ter falecido minha mulher e não ter havido inventário. Possuo por compra que fiz de Alexandre José de Castilho e sua mulher.”

LANÇAMENTO DAS TERRAS DE AGOSTINHO JOSÉ ALVES DE AMORIM: “Possuo por posse uma “Fazenda” denominada “Caridade” que pode ter de comprimento uma légua mais ou menos e de largura três quartos mais ou menos. Tem, como divisas, as terras da Escaramuça, divisas com terras de Dona Joaquina até encontrar a “Fazenda das Araras”, vai desta até a “Fazenda das Areias” e desta até ao Ribeirão do Pântano. Possuo esta “Fazenda” há 32 anos, pouco mais ou menos”. (Considerando que o lançamento ocorreu no ano de 1.854, a fazenda teria sido adquirida em 1.822). Portanto, não há mais dúvida a respeito dos verdadeiros fundadores de nossa terra. São eles Nicolau Antonio Lobo e Agostinho José Alves de Amorim. Foram estes que, por primeiros, se estabeleceram, por posse, no Município, com ânimo de residirem, lançando os fundamentos das primeiras casas. Depois é que vieram José Ferreira da Silva e Tomé Ferreira da Silva. Não podemos deixar de consignar, porém, que a primeira construção feita dentro do patrimônio da cidade, patrimônio lançado a Nossa Senhora do Belém, por José Ferreira da Silva, foi a rústica capelinha de barro e de pau-a-pique, construída por José Ferreira da Silva. A este devemos a localização da cidade. O que até hoje não pude descobrir é o que devemos a Tomé Manoel Ferreira. Na vida histórica do Descalvado, Agostinho José Alves de Amorim que nasceu no ano de 1.787, inicia-se em 1.809, com apenas 22 anos de idade, com a sua fundação, acompanha-a durante 55 anos, defendendo o povoado da truculência dos homens de Araraquara, implanta a ordem e a confiança durante toda a sua vida, vindo a falecer nas vésperas de sua Emancipação a Município, em 1864 com 77 anos de idade. Nicolau Antonio Lobo teve apenas o papel de fundador, cedo desaparece do cenário político do Descalvado, não havendo mais referência a seu nome. Parece-nos que tendo vendido suas propriedades, haja se transferido para outra região. José Ferreira da Silva, cumprindo um voto religioso, mandou construir a primeira capelinha, no local onde, hoje, se ergue a nossa imponente Matriz, inaugurando-a em 8 de setembro de 1.832. Doou depois o patrimônio para a Capela. Nenhuma referência se contata mais, a seu respeito, senão espaçadamente, a de seu registro como eleitor na Paróquia, até 1.860, data em que faleceu, com 71 anos de idade. Tomé Manoel Ferreira, com uma propriedade no bairro do Cuscuzeiro, apenas figura como eleitor, até 1.862, falecendo com a idade de 72 anos. O regime de opinião, meus senhores, depende de um certo grau de cultura e um grau maior de civismo. Infelizmente nós temos quase sempre o civismo e não a cultura indispensável para esse regime. Eis porque, para a realidade de certas verdades que são apontadas, rompendo tradições e lendas, é indispensável que se formem correntes de opinião; e para que essas se formem é necessário a existência de um centro ou de centros intelectuais ativos, operando com energia e liberdade. Felizmente para o Descalvado, nesse setor, nada falta. Há até boa vontade em excesso. Falta, apenas, um entrosamento entre os seus elementos de ação. Tenho, para mim, que Estado é uma expressão geográfica e cidade é uma forma de equilíbrio político. Uma terra natal, para nós, é mais do que uma expressão geográfica, é mais do que uma forma de equilíbrio político. Uma terra natal, é muito mais do que isso. Ela é o sincronismo de espíritos e corações; templo para o esforço e para o sacrifício, comunidade de esperanças, comunhão de sonhos. Quando penetro ás lindes desta terra querida, que é o Descalvado, sinto que estranha força se apossa do meu ser, e neblinado-o com mágico fluído, fluído que é, ao mesmo tempo, saudade e esperança, tradição e trabalho. Sob essa força estranha, mas carinhosa, sinto que amar a verdade é contribuir para a elevação do sentimento descalvadense, proclamando-o sem receio. Daí, proclamar certas verdades que durante muitos anos, foram solapadas pela lenda e pela tradição. Calar-me, nesse momento, seria covardia, seria falta de amor para com a terra que me embalou os primeiros passos na vida. “O covarde morre moralmente  cem vezes, se outras tantas renega por medo. Covarde é o que cala a verdade que sabe; covarde é o que se presta a servir de apoio ao erro, conspirando contra a dignidade do espírito”. A conduta humana verdadeiramente digna, é mostra os caminhos da realização, claros para a maioria dos cidadãos, porque, no coração do mais forte dos homens, impera um sentimento que é o da sinceridade. Senhores, na vida em sociedade, há um direito e há uma moral, porque a perfeição se traduz em instinto social e em justiça. Bem dotados são aqueles que asteiam o pendão da equidade entre o bem estar e o trabalho, porque se inclinam respeitosos diante dos valores reais, admirando os outros e aspirando possuí-los. É o que acontece com a atual Câmara Municipal de Descalvado, tomando a iniciativa da primeira comemoração oficial da data de sua fundação, rendendo justiça a todos os vultos de seu passado glorioso, glorificando com o seu entusiasmo, a sua terra e a sua gente. Feliz é a terra que possui homens e instituições do valor dos homens e das instituições do Descalvado! É que sempre aprendi, durante minha vida que consagrar, as grandes figuras de nossa terra um capítulo de gratidão é robustecer os ideais que cada um persegue nas experiências realizadas, não incorrendo em repetições estéreis, se não somando, aos demais, o próprio trabalho. Resta senhores vereadores de Descalvado, mais um trabalho para pagamento de uma grande dívida: a perpetuação dos nomes de Nicolau Antonio Lobo e Agostinho José Alves de Amorim em duas ruas da cidade. Em qualquer cidade de nossa Pátria, os nomes das ruas, são oferendas que perpetuam  as lembrança de seus maiores. Percorri inúmeras cidades, vilas e povoados e, por essa tradição, quase que logicamente, deduzia o feito que representava o nome das placas que denominavam as localidades. Aqui ente nós, ainda não foi feito justiça a dois de seus maiores filhos, um deles expondo sua própria vida em defesa da terra. São eles: Agostinho José Alves de Amorim e Nicolau Antonio Lobo. Façamos essa justiça. Lembro-me de ter lido, certa vez, um trecho de uma carta enviada por um grande coração descalvadense, o meu velho e querido amigo Dr. Antônio João Domingues, em que estranhava não ter sido homenageado, até hoje, o grande vulto de Agostinho José Alves de Amorim, autêntico fundador de Descalvado. Endosso essas palavras e faço um veemente pedido, neste momento, aos meus colegas descalvadenses, os ilustres edis da terra de Agostinho José Alves de Amorim, para que façam justiça a esse vulto de nosso passado, perpetuando, perante as gerações futuras o nome de seu fundador. Se não o fizermos, com o correr do tempo, a lenda e a tradição, ás preocupações futuras se incumbirão de apagar o nome de quem deve ser apontado à gratidão pública. Uma praça melhor o consagraria! Senhor Presidente, nobres vereadores. Agradeço esta Casa, fiel representante dos vereadores de 1866, a lembrança de meu humilde nome para as solenidades oficiais de hoje. Este convite traduz a grandeza de alma e de sentimentos de seus representantes, encorajando aquele descalvadense que se propôs escrever a história de sua terra, rendendo justiça àqueles vultos que são credores de nossa admiração. E, aproveitando o ensejo que se me oferece, mais um apelo dirijo: sejam quais forem as contingências político-partidárias que se oferecem, toda a vez que esta em jogo o destino de Descalvado, unamo-nos todos, sem distinção de credos ou política, para o bem comum, que é a terra querida do Descalvado. Assim, o fizeram de Agostinho José Alves de Amorim, José Ferreira da Silva, Francisco Antônio de Souza Queiroz Filho, Antônio de Camargo Campos, Antônio Leocádio de Matos, Rafael Tobias de Oliveira, Gabriel Amâncio Lisboa, Arthur Horácio De Aguiar Whitaker, Galdêncio Ferreira Quadros, Francisco De Paula Carvalho, Barão do Descalvado, Olímpio Catão, Bernardino José Pereira, João José Alves Aranha, Ananias Pereira de Carvalho, Izaias Pereira de Carvalho e outros grandes. À Câmara Municipal de Descalvado, o penhor de minha gratidão e do meu respeito, pela honra, sem par que me proporcionou. Era o que tinha a dizer.”

 

ORIGEM DO NOME DE DESCALVADO (Gerson Álfio De Marco)

 

Vem do nome de um morro, ou precisamente do Morro do Descalvado. Antes da ereção da Capela de Nossa Senhora do Belém, em 1832, por José Ferreira da Silva, as terras de Descalvado não teriam nome, pois eram fundo de Rio Claro ou de Araraquara. Mais de Rio Claro, embora não de princípio unido a ele, administrativa e juridicamente. Ao ser elevado a Freguesia, deram a Descalvado o nome de Freguesia de Nossa Senhora do Belém do Descalvado. Por que? Por que o acréscimo: Descalvado? José Ferreira da Silva, com certeza quis completar a denominação com uma adenda, que caracterizasse o ambiente. Qual a razão da escolha? Não erraremos, se dissermos que o povoado mais buscado pelos povoadores, quando de suas necessidades de alimentação, abrigo, compras de armas e munições e coisas imprescindíveis ao labor agrícola e mesmo cautelas de ordem jurídica, era Rio Claro. Para tanto, deveria haver um caminho e, havendo esse caminho, certamente deveria passar ele pelas proximidades da Serra do Descalvado, e do morro de igual nome. Daí a escolha do belo acidente geográfico. E quem sabe tenha contribuído poderosamente para isso o fato de o sul de nosso município atual, as propriedades agrícolas que margeassem o caminho para Rio Claro, ser conhecido por bairro, zona, rincão do Descalvado, isso é, do morro Descalvado. Assim na época os viajantes que se conduziam de Rio Claro para Araraquara deveriam dizer: Sigam o rumo do morro Descalvado. E agora uma pergunta: Por que Morro do Descalvado? É ele assim tão desprovido de vegetação, como dá a entender o seu nome? Não. Até possui  ele cerrada vegetação em suas fraldas; o seu topo, porém, apresenta partes rochosas, o que lhe legitima a denominação de Descalvado, escalvado ou calvo. Fica destruída assim a afirmativa de que o nome de Descalvado provinha de suas terras serem de minguada vegetação, como antes se dizia, embora, no verbete Descalvado haja, também, a significação de terra de boas pastagens. Mas o nome de batismo de nossa terra não veio nem do fato de seu solo ser de vegetação escassa e nem de ostentar ele ótimas pastagens, ainda que destas possua muitas e magníficas, se não florescente não seria a sua pecuária, qual hoje é.

 

TOPONÍMIA DESCALVADENSE

(Dr. Jayme Regallo Pereira em 1958)

            Os termos Descalvado, Rio Bonito e Pântano, tão conhecidos de todos nós e tão caros aos que aqui vivem, designam também outros lugares ou rios encontrados na carta geográfica paulista e até mesmo em diferentes estados do Brasil. Tal coincidência é igualmente encontrada em relação a muitos outros termos comumente empregados para a denominação de povoados, cidades e acidentes geográficos não só no Brasil, como em outros países. Não nos esqueçamos, por exemplo, do que ocorre com os nomes de velhas e tradicionais cidades inglesas cujos nomes foram dados a outras tantas e novas cidades norte-americanas, apenas precedidos do designativo New (Novo ou Nova), tais como, New York, New Haven, Bew Hampshire, etc. Pelo nome de Descalvado são também conhecidos pequenos rios que correm pelos  municípios de Iguape e Iporanga, neste Estado, e, como tal nome encontramos ainda um lugarejo perto de Capivari, no município de Campinas. Dois outros povoados com esse nome existem no estado do Paraná, localizados nos municípios de Ipiranga e São Mateus.  Um moro denominado Descalvado é encontrado no estado do Paraná. Provavelmente esse vocábulo tem sido ainda aproveitado como designativo de outras povoações e acidentes geográficos em diferentes estados na Federação Brasileira. (no estado de São Paulo próximo a Registro, existe outro povoado com o mesmo nome, uma rua na capital paulista, e uma enorme fazenda no norte do Mato-Grosso). O nome Rio Bonito é contudo mais encontradiço. Se Descalvado, por significar despido de vegetação, tem sido aproveitado com relativa freqüência na toponímia brasileira, o nome Rio Bonito é mais comum entre nós. Aos que nascem ou vivem ao lado de um curso d’água, sejam esses pequenos córregos ou rios mais caudalosos, sempre eles se nos afiguram de grande beleza, principalmente quando nos impressionam ao tempo de nossa meninice ou de nossa juventude, quando em suas águas quietas ou rumerejantes vamos buscar nos banhos ou nas pescarias uma satisfação para os naturais desejos de nossa idade. É então que todos esses cursos d’água se apresentam “bonitos” aos nossos olhos e principalmente ao nosso espírito. Natural, portanto que os chamemos de “bonitos” e por isso são eles encontrados a cada passo por toda a carta geográfica do Brasil. Minha meninice eu a passei num velho engenho banguê, às margens de um Rio Bonito, em Pernambuco, e tudo indica que a minha velhice se vai desenrolar também às margens de outro Rio Bonito, aqui em Descalvado, no estado de São Paulo. Com o nome de “Bonito” encontram-se, somente em São Paulo, trinta e seis rios correndo por vários de seus municípios, sendo que nos municípios de Araçatuba e Piedade existem dois rios com esse nome e no de Tanabí nada menos do que três.     O nome de Pântano, muito conhecido aqui em Descalvado com a pronúncia de Pantano (com acento na segunda sílaba), é também encontrado como designativo de cursos d’água em diversos municípios paulistas. Assim, por tal nome são chamados um córrego e um povoado à sua margem, no município de Assis. Correndo os rios pelas partes mais baixas, atravessando brejos, formam facilmente alagadiços ou pantanais, principalmente na época das chuvas e daí a freqüência com que o povo tem designado pelo nome de Pântano vários cursos d’água encontrados em nosso estado e possivelmente em nosso país. Araras, Bauru, Boa Esperança, Bragança, Piratininga e Salto Grande são outros municípios paulistas cortados por córregos ou ribeirões batizados com o nome de Pântano, havendo ainda uma serra com esse nome no município de Amparo e uma cachoeira com igual nome formada pelo rio Mogi-Guaçu, no município de Santa Rita do Passa Quatro. Achei interessante divulgar estes fatos relacionados com os nomes de nossa cidade e dos nossos rios principais. Meu intuito é todavia, o de chamar a atenção dos estudiosos para os assuntos relativos à nossa cidade e ao nosso município, sugerindo-lhes outras contribuições ainda mais interessantes e valiosas para o conhecimento de nossas coisas e de nossa gente. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, por sua agência nesta cidade, dispõe certamente de dados os mais curiosos nesse sentido e bem poderia divulgá-los para maior conhecimento de nossa toponímia.


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