HISTÓRIA DO MUNICÍPIO

 

A TERRA DOS ÍNDIOS CAIACANGUES (Gerson Álfio De Marco)

 

                Clarear do século XIX. No vastíssimo sertão de Araraquara o que seria futuramente, o município de Descalvado. Terra de índios, ainda, terra dos caiagangues, da família dos Jês. O rio Mogi-Guaçu, com águas largas, corredeiras, muito piscosíssimo, então, passando rente às malocas dos selvícolas. O rio do Pântano, seu afluente, nutrindo também, populações indígenas marginais com os muitos peixes que possuía então. O rio Bonito, águas mais estreitas, a receber inúmeros riachos, em seu curto trajeto, ladeado, também, de moradias de aborígenes. Para o oeste, o rio Quilombo fadado a ser águas lindeiras entre Descalvado e São Carlos e a acostar negro fugido, daí seu nome. Haviam águas altas que caíam  no abismo profundo, falando ao temor dos índios: as do Pântano. Eis a nossa potamografia, giganteada pelo Mogi-Guaçu e arrolando inumeráveis regatos, pois o solo é prodigamente veiado por águas menores, mas valiosas. Ao sul, a atual Serra do Descalvado, extensão do Cuscuzeiro, e o Morro do Quadrão. Para o norte, a Serra da Estrela, pouco elevada; e, mais para o sudoeste, o Morro da Janelinha. Era o Gênesis enchendo a terra selvagem e onde o humano ainda não pisara, dominador e criativo. Densas matas cobriam essa vastidão de terras que seriam o Descalvado a vir. A mão do homem não chegara, ainda, para derribá-las, iconoclasticamente, ao correr dos anos. Os abóriges as mantinham intactas e propícias para suas caçadas aos voláteis e aos quadrúpedes. Muitas planuras, recobertas de cerrados. Pequenos vales. E, em tudo, o muito verde, as muitas aguadas. Caminhos não havia. Somente as trilhas dos índios. Terra para ser descoberta, pelo homem branco, com seu solo ubérrimo, sem dono. A Flora continuava  a mesma flora dos séculos anteriores, cheias de madeiras de lei. A Fauna, a mesma fauna das centúrias anteriores, longe, ainda, da arma abatedora e dizimadora do homem branco. Havia o silêncio milenar da terra, sem a converseira de homens estranhos, sem o pisar das alimárias da conquista e sem o atroar das armas de fogo, enchendo os ermos com a presença do caçador branco. Era a terra bruta, inóspita, rica, formosa, sem limites. Únicos donos, os caiagangues com o seu primitivismo humano, com sua civilização prístina. Únicas presenças do homem, a do índio nas ocas esparsas pela vastidão ilimitada. O Gênesis para o índio caiacangue, que pressentindo a presença do branco, fugiu para longe antes da chegada dos primeiros habitantes.

 

O ÍNDIO TUPI-GUARANI (Prof. Manuel Pereira de Godoy )

Machados-âncora são muito importantes sobre o ponto de vista cultural, pois, segundo os especialistas, sobretudo Rydén, 1937, em “Brazilian anchor axes”, cujo trabalho é considerado clássico na especialidade pelos Americanistas, não pertencem à cultura Tupi-Guarani; são de cultura Gê. O encontro de Machados-âncora, nesta região, nos faz crer que existiu por aqui, antes da ocupação Tupi-Guarani, que ocorreu a partir de, mais ou menos, 1625, uma ocupação cultural Gê.

O Brasil, na época do seu descobrimento, era habitado por numerosas tribos indígenas, cujas origens até hoje não estão bem definidas. Quando em 1500 os portugueses chegaram ao Brasil foi notado por eles que os Tupi-Guarani empreendiam uma migração sul-norte, à procura da terra sem males, onde não se morre e a felicidade é eterna! (motivo religioso). O Estado de São Paulo recebeu vários grupos Tupi-Guarani nessa migração geral, vários deles se estabeleceram na costa e no interior, em locais propícios nas bacias dos rios principais, como o rio que, depois, recebeu o nome de “Mboya Guasu y”, hoje em dia, apenas, Rio Mogi-Guaçu que significa Rio da Cobra Grande. Provavelmente, uma tribo Tupi-Guarani que entrou pelo sul do Estado, continuou na sua marcha, atingiu a região do atual Rio Piracicaba, continuou até chegar ao vale do Mogi-Guaçu; então toda a região compreendida entre Piracicaba, Rio Claro, Pirassununga, Porto Ferreira, Descalvado e até Mogi Mirim e Mogi-Guaçu, foi ocupada por volta de 1625, como o grande território de caça, de pesca, de obtenção de recursos naturais para o citado grupo Tupi-Guarani, pois, todos os materiais líticos (machados, martelos, raspadores, pilões, pontas de lança e de flechas, etc.), a cerâmica, os desenhos e os rituais funerários são semelhantes entre si em toda a mencionada região, onde habitavam em aldeias permanentes ou habitações (abrigos) temporários. Em 1766 e 1773 portugueses e paulistas atingiram esta região e tiveram contato com os índios. Espingardas de pederneira, do século XVIII, foram encontradas no leito do Rio Mogi-Guaçu, corroídas pelo ação do tempo, testemunhando a presença humana, não índia, na nossa região. Em 1809 chegariam os primeiros posseiros que teriam bom relacionamento com os índios, sabe-se que o oleiro Tupi-Guarani copiou muito da louça do branco (como asas em vasos), que não coabitava com o branco e que se aproximava da “civilização” para obter fumo, aguardente e doenças, com a varíola, a blenorragia, a sífilis, a tuberculose, a gripe e outras, de efeitos devastadores sobre seres humanos desprovidos de condições de reação orgânica contra tantos males novos! Segundo relatos, transmitidos por tradição oral, os índios habitaram a nossa região até, mais ou menos, 1880. Com o progresso da ocupação branca e negra (escravidão), com a devastação causada pelas doenças novas, os índios remanescentes não encontram mais a necessária condição de sobrevivência e foram desaparecendo. Alguns caboclos, mestiços de índio com branco e de índio com negro, ficaram por aqui. A citação de palavras de hábitos deixados pelo índio que aqui viveu, como peva (baixo, achatado), pari (armadilha de pesca), bereba (ferida, pus), taboca (espécie de bambu nativo), tapera (rancho velho e abandonado), moquear (assar a carne sobre o moquém), moguém (grade de paus, sobre o fogo, para assar carnes, peixes, etc.), entocar (esconder-se dentro de buraco), pererecar (mover-se com rapidez), poita (âncora de pedra), etc. estão difundidos por toda região, principalmente, pela influência do colonizador caboclo. Os elementos materiais deixados pelos índios locais provam, de fato, a existência e a cultura passada de um povo que está quase desaparecido nos dias atuais, com a ocupação de todas as áreas pelos brancos.

Cultura material: Os índios que habitaram a região, possuíam um cabelo grosso, preto e um pouco cumprido, freqüentemente amarrado encima da cabeça, formando um tufo. Os chefes usavam um cocar de 3 penas coloridas, amarrado na testa; os outros índios não usavam cocar. Ainda os chefes traziam um machado de pedra polida, semilunar, ricamente encabado, como insígnia de chefia. Andavam todos os índios com o corpo avermelhado, graças a uma mistura oleosa (óleo de peixe ou de capivara e sementes de urucu em pó). Essa mistura do corpo tinha várias finalidades: demonstrar alegria, proteger o corpo contra os excessos dos raios solares e, também, contra a picada de insetos. As aldeias eram formadas ocas (casas) grandes; havia uma habitação comunal e várias famílias aparentadas desfrutavam de um mesmo ambiente doméstico.  Além do peixe, da caça e dos frutos silvestres e da mandioca, comiam larvas torradas de besouro e moluscos (Ampullaria e Strophocheilus). Era hábil nadador e tinha canoas construídas a fogo e a pedra, de troncos de certas árvores e, também, construídas de cascas de árvores apropriadas. A caça era exercida com a ajuda do arco e das flechas, cujas pontas podiam ser de osso, de espinhos de peixe, ou de pedra (sílex lascado). Havia pontas de flecha de rocha (pedra), do tipo perfurante, com ponta e corte, e do tipo contundente, sem ponta perfurante e que matava (aves) pelo choque. Tais tipos de flechas eram usados na caça de aves, cujas penas coloridas não deveriam ser manchadas de sangue. Para animais de maior porte, como anta, veado, lobo, cachorro do mato, coati, paca, capivara, etc., eram usadas flechas com pontas afiadas, de osso ou de sílex.

Habitação: As grandes ocas (casas) eram distribuídas em semicírculo, uma ao lado da outra e cada semicírculo tinha um pátio (ocara) fronteiro para as reuniões tribais. As aldeias eram organizadas de tal maneira, que os casamentos pudessem ser cruzados.  Assim os varões de um lado do rio, de modo cruzado, podiam se casar com índias do lado oposto, segundo um rito que o Tupi-Guarani cumpria com muita seriedade. Dentro das casas eram dispostas as redes familiares e todos os utensílios e perto de cada conjunto familiar ficava sempre um fogo aceso, o qual tinha várias finalidades: manter algum alimento assado, aquecer o ambiente e produzir um pouco de fumaça para repelir insetos (pernilongos, etc.). As casas eram construídas com esteios de madeira nos lugares de maior responsabilidade; no teto faziam um trançado amarrado de varas, dispostas simetricamente e a cobertura era feita com folhas de coqueiro do campo, conhecido com o nome de “indaiá”, ou com folhas do coqueiro “baguassu”. As entradas das casas eram feitas para o lado dos ventos dominantes.

Vestuário e ornamentação: homens e mulheres andavam nus e quase sempre tinham os corpos pintados com uma tinta oleosa de urucu (vermelho). Os chefes traziam um cocar de 3 penas coloridas, amarrado em volta da cabeça, na altura da testa, trazendo na mão direita  um machado de pedra, semilunar na forma e ricamente encabado.

Pesca: Eram exímios pescadores, usavam anzóis feitos com espinhas grandes de dourado e de ossos de animais. Como armadilhas usavam redes trançadas de fibra vegetal, covo feito de taquarussu e pari (espécie de chiqueiro de pedras, com entrada fácil para a água e os peixes e de saída impossível para estes).

Agricultura: Na sua vida livre o índio pouco se dava ao trabalho, no sentido da operosidade da “civilização”. Cultivava a mandioca que era consumida assada, cozida e em forma de beijus (bolo). Com a chegada do homem branco, o índio parou de fazer sua agricultura e passou a roubá-la dos brancos. Conta-se que alguns fazendeiros, plantavam mandioca brava (venenosa), e em resultado vários índios morreram intoxicados pela mandioca roubada! É que os nossos índios muitas vezes, comiam a mandioca crua e a espécie “brava” possui uma glicosíde na seiva leitosa, que em contato com os fermentos do estômago forma o ácido cianídrico, de efeitos letais sobre os homens e os animais.

Alimentação: Preparavam uma farinha de mandioca muito branca, que era assada e consumida em forma de beijus. Também com a mandioca faziam bolos que tinham em mistura peixe assado e triturado em pilões. Os peixes eram descamados, abertos pelo ventre, lavados na água do rio e pendurados em paus fincados, para secarem ao sol; em seguida, o peixe, espetado numa vara, ia para o “moquém”, isto é para uma grade de varas sobre um braseiro, para assar e para ser consumido. Outras vezes, os peixes inteiros, eram enterrados sob a cinza quente e um fogo era ativado por cima para assá-lo, sendo consumido logo depois. A dieta alimentar era acrescida da caça, de frutos da mata, de raízes moles, de palmitos, de larvas de besouro, etc.

Fogo: O nosso índio conheceu e usou o fogo, a prova principal é a presença da cerâmica queimada, constituída pelas urnas funerárias, vasos diversos, pratos, etc., que encontramos na região, juntamente com pedras com concavidades para atritar bastões de madeira dura para produzir o fogo; girado  violentamente com as mãos, num movimento de vai-e-vem, o atrito da base inferior do bastão com a pedra produzia calor e um pó que se inflamava levemente; o índio, com paciência, com a ajuda de folhinhas secas avivava o lume incipiente, para conseguir o “fogo”. Os resíduos dos alimentos, carbonizados encontrados em alguns vasos, também provam o uso do fogo e dos processos de obter alimentos por cocção.

Bebidas e narcóticos (tabaco): A bebida de festa era feita de suco de caju do campo (Anacardium humile), nativo no campo cerrado da região. O caju do campo amadurece na primavera (novembro, dezembro), justamente na época da piracema (subida dos peixes), quando havia abundância de alimentos e várias comemorações. O caju maduro era colhido em cestos por todos os índios, homens, mulheres e crianças. As índias mais velhas ficavam nas aldeias preparando os grandes vasos (igaçabas), para a fabricação de um vinho, chamado “chica” ou “chicha”. Quando chegavam os cajus maduros, as índias velhas mastigavam-nos e lançavam o produto, a saber: bagaços, suco e saliva, dentro dos vasos. Em poucos dias, com a fermentação aeróbia, havia transformação de tal mistura em uma bebida alcoólica, agradável para os índios, a “chicha”, que era consumida por todos e em grandes goles. Quanto ao tabaco (Nicotiana tabacum), foram encontrados cachimbos de barro, um tubular e dois angulares, provando que algum vegetal era usado como “tabaco”, no ato de fumar.

Cerâmica: O índio local foi um bom ceramista, provam tal afirmação as igaçabas, com até 180 litros de  capacidade, também usadas como urnas funerárias, para os enterramentos secundários dos seus mortos; provam também os outros tipos de vasos, de pratos, de tampas de urnas funerárias, ornamentadas com aplicações das unhas, das extremidades dos dedos, com espátulas, com pauzinhos e estiletes diversos, em baixo e em alto relevo, com enchimento colorido ou não dos sulcos, etc. Para obter um belo vaso, forte e resistente, o segredo principal estava no preparo do barro, quase sempre acrescido de certos pós (cinzas) que tornavam a massa mais plástica, leve, e ainda lhe conferiam resistência. Escamas de peixes, cinza, carvão moído, vasos velhos e quebrados (reduzidos a pequenos fragmentos) eram incorporados à argila na confecção dos vasos. Preparado o barro, o oleiro ou oleira indígena dividia-o em pequenos bolos, que eram amassados de novo e durante essa fase o oleiro aproveitava para retirar corpos estranhos aos mesmos, como pedaços de pauzinhos, pedregulhos, pelotas de barro endurecido, etc. Ainda, durante essa operação poderia acrescentar mais material plástico (argila, água, areia fina, etc.), visando a melhor confecção do vaso. Aqueles que deveriam durar mais tempo tinham paredes mais grossas, até com dois centímetros de espessura. O vaso era confeccionado e seco á sombra, onde ganhava resistência, para ser queimado ao lado de grandes fogueiras a céu aberto, sendo girados periodicamente, para receberem o calor direto do fogo. Finalizando o oleiro colocava brasas e lenha em pedaço dentro dos vasos para a queima interna que dava a resistência final necessária. Testes atuais mostraram que os vasos indígenas eram queimados a temperaturas em redor de 550º C. Prontos eram pintados, geralmente nas cores vermelha que traduzia alegria e vitória; preto que significava o medo, o luto e a dor, e o branco, a singeleza da sua alma selvagem.

Objetos de pedra: Nosso índio foi um exímio fabricante de objetos de pedra, lascada e polida, como: machados, martelos, pilões, pontas de flechas e de lança, quebra-nozes, pedras para fazer fogo, etc. Foram encontrados pilões de granito tão bem trabalhados e polidos que, medindo-se os seus diâmetros, não se observa diferença maior que dois ou três milímetros. Para encabar seu machado de pedra, o índio utilizava um galho aberto pelo meio, na própria árvore, o qual era amarrado firmemente, após a colocação do mesmo numa posição favorável. Tempos depois, as duas partes se uniam e o machado ficava naturalmente encabado. O índio podia esquecer do machado na árvore, podia morrer antes que o mesmo estivesse pronto para ser cortado na medida certa. Com o passar dos anos e dos séculos, a árvore crescia bastante e o machado acabava incorporado no galho. Quando o homem branco no futuro, derrubou tal árvore e cortou a madeira, fortuitamente pode encontrar o machado no seu interior, e sem saber como tal fato aconteceu, atribuía ao raio o acontecido, materializando assim a força bruta do raio. Daí surgiu a lenda da pedra do raio.

Mortos: Todos os mortos eram cuidados pelos parentes vivos, como tradição tribal, pois acreditavam que os espíritos dos mortos rondavam a aldeia e precisavam ser bem tratados. Na região, os índios enterravam os seus mortos, primariamente, num buraco feito nas proximidades da antiga morada de cada morto; tempos depois os familiares vivos desenterravam os ossos, limpavam-nos e, definitiva e secundariamente, os colocavam numa igaçaba (que acaba servindo como urna funerária) e esta era enterrada dentro da própria casa (oca), ou ao lado dela. Às vezes uma urna podia receber ossos de dois ou mais índios falecidos e aparentados. Os nossos índios acreditavam na imortalidade da alma e daí o culto dos seus mortos; acreditavam num ser supremo e num lugar muito bom para se ir após a morte, onde a felicidade era constante. Daí a ornamentação da urna, e sobretudo, da superfície interna da tampa, pois é possível que a urna simbolizasse a terra, onde o corpo ou parte dele ficava encerrado e limitado; acima a tampa, ornamentada, com desenhos geométricos e intrincados, muitas vezes, representando o firmamento com os seus astros e estrelas.

 

PEÇAS INDÍGENAS (Luiz Carlindo Arruda Kastein)

 

O Descalvado Jornal – edição de 14 de maio de 1939, publicava a seguinte nota:

ACHADO FUNERÁRIO

                “Inscientes da descoberta arqueológica não obstante a proximidade, que Descalvado se encontra da Fazenda Bela Aliança, desse município, traduzimos do ‘Fanfulla’, da Capital do dia 10 de maio último, a seguinte e palpitante notícia: “Uma notícia chegada de Descalvado, à local ‘Folha da Noite’, informa que na Fazenda Bela Aliança, de propriedade do senhor Afonso Guimarães, durante os trabalhos de restauração que se estão executando, na estrada carroçável, que une aquela propriedade agrícola, à estação da Aurora, foi descoberto um túmulo dum cacique, ou seja, um chefe indígena. Os ossos do índio estão reduzidos a pó, exceção feita das tíbias. O túmulo deve ter, aproximadamente, duzentos anos. O tradicional vaso do chefe aborígene traz algumas inscrições ingênuas.” Pelo transcrito firmam-se as assertivas da existência em nosso município, nos tempos anteriores à sua exploração, de tribos de selvagens, franqueadores talvez (era hábito dos índios, aldearem-se à beira dos rios), das margens do Mogi-Guaçu. Ontem no entanto fomos procurados pelo senhor Afonso Guimarães, proprietário da Fazenda Bela Aliança, que nos declarou o seguinte: “A igaçaba foi encontrada por camaradas quando trabalhavam no concerto do caminho que liga aquela fazenda à estação da Aurora. Infelizmente, aqueles operários, não sabendo o que era aquela descoberta, e havidos pela curiosidade, fazendo uso das ferramentas que traziam, começaram a martelar o achado, reduzindo-o praticamente a cacos, salvando-se porém alguma coisa, devido à sua intervenção, quando passava pelo local. O senhor Guimarães veio cientificar a Prefeitura sobre a veracidade da descoberta e ao mesmo tempo providenciar com ela, o seu transporte para a cidade”.

Nas proximidades da Aurora encontrou-se  uma quantidade muito grande de cerâmica indígena, provando que aquele local, próximo ao Rio do Pântano abrigou uma aldeia tupi-guarani. Esses índios com toda certeza caçavam nas proximidades da Serra Descalvado, prova disso é que nas escavações para extração de areia, feitas pela Mineração Jundu, encontrou-se um número muito grande de pontas de flecha, machadinhos, etc., guardados no museu particular daquela empresa. Encontrou-se também material indígena às margens do Rio Mogi-Guaçu e no bairro do Butiá.

Sobre o achado da igaçaba indígena, o Prof. Gérson Álfio De Marco, escreveu o poema abaixo, publicado em jornal da época:

 

O CACIQUE DESCALVADENSE

 

Ei-lo desperto, à quebra da igaçaba,

Desperto de seu sono centenário!...

Quem vem violar o abrigo mortuário,

Do jazigo a telúrica quiçaba?

 

Quem o desperta assim? É o emboaba,

O férreo bandeirante, o missionário?...

Como mudou o prístino cenário!...

Onde a caiçara típica da taba?...

 

Não ressoam inúbias!... Vai ausente

A tribo de seus pais?... Infelizmente,

Ninguém entende ao esqueleto nu!...

 

E o taxaua, novamente, dorme,

Arremessando à azulidão enorme,

A última vogal Anheengatú!...

 

 

O PRIMEIRO PROPRIETÁRIO DAS TERRAS DE DESCALVADO

Desde o Descobrimento do Brasil que os Reis de Portugal, seguindo uma tradição de seu país, distribuíam sesmarias, imensos lotes de terras virgens, a privilegiados da Corte que se dispusessem a cultivá-las.

                A região de Descalvado pertencia a uma enorme sesmaria que começava no centro do estado de São Paulo e adentrava Minas Gerais. Esta imensidão de terras foi doada no século XVII ao bandeirante Amador Bueno da Veiga como recompensa por sua participação na Guerra dos Emboabas, que era o apelido que os  bandeirantes paulistas davam, especialmente na região das minas, aos forasteiros portugueses e brasileiros de outras origens, que entravam no sertão à busca de ouro e pedras preciosas.

QUEM FOI O BANDEIRANTE AMADOR BUENO DA VEIGA

Nascido em São Paulo em data incerta, morreu no Rio Pardo (MG) no ano de 1.719. Foi cabo-mor por aclamação dos paulistas na Guerra dos Emboabas, após ter sido juiz de órfãos na Vila de São Paulo. Sua expedição tinha por finalidade vingar a emboscada do Capão da Traição, em que o comandante português Bento do Amaral Coutinho chacinou inúmeros paulistas que depuseram armas sob promessa de liberdade. Ao se aproximar do Rio de Janeiro encontrou-se com o governador, que vinha de Minas Gerais, onde estivera a fim de pacificar os ânimos. O governador mandou um aviso aos emboabas que prevenidos, resistiram ao assalto paulista, que após três dias foi levantado sem a vitória. Amador Bueno foi acusado de ter entrado em contato com o governador, a fim de auxiliá-lo na pacificação, nascendo a suspeita pelo fato de alguns julgarem que não tinha posto muita energia na luta. Foi grande preador de índios em Minas Gerais. Em 1713 tentou abrir uma rota, na região de Pitangui, a fim de levar ao sertão. Em 1717 propôs  ao governador mineiro buscar ouro na região de Minas, próxima ao Rio Pardo, vindo a falecer durante essa malograda tentativa.

 

CHEGADA DOS PRIMEIROS HABITANTES

 

1809 - Nicolau Antônio Lobo, Manoel Antonio Lobo e Agostinho José Alves de Amorim. Um pouco mais tarde em 1820 José Ferreira da Silva e Tomé Ferreira da Silva. Incluem-se também entre os primeiros: Alexandre José de Castilho. José Rodrigues dos Reis, Joaquim de Oliveira Preto e Manoel Joaquim Bernardes. Os primeiros chegaram pelo norte, aproveitando o Rio Mogi-Guaçu que era o caminho que levava aos sertões de Araraquara. Estabeleceram-se no centro e no sul do atual Município, aproveitando as áreas de terras melhores, evitando o norte junto ao rio Mogi-Guaçu onde ocorriam febres intermitentes de dezembro a abril.

- O livro do tombo da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Belém, em referência escrita em 1883, quando da visita do Bispo Dom Lino Deodato, assim se refere a história: “Das informações que pudemos obter de um trabalho que temos à vista, consta que este lugar, Belém do Descalvado, começou a ser habitado em 1809, sendo seus primeiros moradores Agostinho José Alves de Amorim, Nicolau Antônio Lobo e José Ferreira da Silva, sendo o primeiro da província de Santa Catarina, e os últimos da de Minas Gerais.” 

-1816 – Alexandre José de Castilho adquire a Fazenda Areias de Nicolau Antônio Lobo.

 

-1820 – José Ferreira da Silva e sua mulher Florência Maria de Jesus, provenientes de Minas Gerais, adquirem a Fazenda Areias de Alexandre José de Castilho.

 

- 08/09/1832 - Inauguração da Capela de Nossa Senhora do Belém, construída por José Ferreira da Silva em terras da Fazenda Areias, em cumprimento a um voto religioso de sua mulher Florência Maria de Jesus, dando início ao povoado;

 

1842 – José Ferreira da Silva e Florência Maria de Jesus fazem doação de uma légua de terras para a Igreja, terras que iriam constituir a Vila de Belém do Descalvado.


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